terça-feira, 31 de dezembro de 2013

poema sobre óleo sobre tela

uma crosta de flor se abre
no quadro
no peito
irrompendo na garganta
um grito amarelo
que deixa as bocas cheias
destas pétalas
uma natureza mais viva
que vigora nos olhos
tomando toda a retina
esta crosta de flor
está no quadro
e talvez sustentada
por outros vasos
perdida em alguma casa
sob um sol ardente
de qualquer cidade

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

este poema deveria
entregar os corpos
seus gestos no meio
dos carros e a entonação
precisa do palavreado
e o mar de barulhos
que pulsam involuntários
nas veias dos que
comem o asfalto
com farinha
sentindo o calor
do trânsito nas ruas
passeios privados
e o cheiro de verão
gasolina mijo e cigarro
mas é só um escrito
autobiográfico do mundo
que se escreve
como escravo
nas peles que está
encravado
nas travessias que
pelo meio atropela
como se atravessasse
nada
indiferente
a tudo o que arrasta

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

tatuagens
são para sempre

passagens

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O sol suspende a sala
ao atravessar a porta
deslizando pelo piso
e nas paredes refratado
pelo vidro cobrindo
o apartamento com sua
carne que ilumina
os olhos com a luz
da casa de cantos
dos pássaros
de quintal e terraço
de missa e cachaça
revestida de cal e piano
Não há nada que
se possa fazer contra
essa luz que adentra
abruptamente o apartamento
e entrega tudo o que tem
e reintegra à terra
que deixa um ardor nos olhos
uma fissura no concreto
e este desejo urgente
de ficar com este corpo sujo
de cravar o pulso no mundo

domingo, 17 de novembro de 2013

O gato devora
a noite como
se fosse aurora

sábado, 2 de novembro de 2013

Permanecer no sol como
um galo que antecipa o
grito da manhã por
que está dada
a necessidade
de soltar o brilho
pela garganta e deixar
a madrugada em chamas

Galo prenhe do vermelho
com os olhos banhados
à terra que o agarra
espora cravada
ferida pela pele
que queima do calor
do momento e habita a
alvorada aberta na garganta

ao permanecer

domingo, 27 de outubro de 2013

Toda beleza
caminha bêbada
na corda bamba

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Pra não dizer que não falei das folhas

na página em branco
não há nada
além do possível
encontro concreto
com o que precisa
ser preciso ainda
que ainda incerto

domingo, 6 de outubro de 2013

Domingo no Parque

Sol na copa da árvore
fumo aceso
desejo a habitar a tarde

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

De nada adianta tensionar
a palavra que se quer corrompida
se não se crava com os dentes
a boca no mundo
para experimentar o gosto
de asfalto quente e cimento
e deixar com a língua
a marca como uma lesma

De nada adianta acreditar
na necessidade do léxico
como lixo revirado
e deixar tudo cinza-parede
perfeito sem qualquer ruído
e deixar concretos límpidos
tendo só no piso o pixo
e poesia presa em apartamento

Não há lado a arrebentar
se a palavra fica guardada
seca na boca e as línguas
dobram-se sobre si mesmas
porque não há mais nada
a ser dito porque só há
entre todas as coisas abismos

terça-feira, 1 de outubro de 2013

                                             para I. B.

Na paisagem devastada
muitas ruínas para catar-se
o vigor em traços
no meio da travessia
no meio da estrada

Tudo já foi menos estranho
nessas terras de terra vermelha
que agora obstrói vias
deixa lama nas línguas
olhares lânguidos
abdomes túrgidos

Estamos grávidos do deserto
dessa hora que não passa
do absurdo vulgar insistente
instante que deixa seu rastro
no olho que gasta
a luz do dia em nada

Primavera infundada
perdeu uma pele
na qual brilhava

sábado, 28 de setembro de 2013

Acorda
Acorda
Acorda
Ecoa na madrugada da cidade
o grito rouco
do galo desregulado
logo o galo ou logos
àquela hora?
Sem pena
espora ou crista
é só garganta na luta
e grita
contra o silêncio
Peito aberto na certeza
do tiro feito
que atravessa o vazio
e o escuro inflado
inflamado só resta
gritar

domingo, 15 de setembro de 2013

A carne é tudo que se tem
mesmo quando fica velha
e faz ressaltar os ossos e poeira
e parece melhor um espectro
melhor do que o expectorante
e as ruínas que se apresentam
e as peles que se excedem
A carne só é no tempo
se perfaz quando não passa
e habita a casa o viveiro
maçanetas invertidas livros empilhados
e esse sol no limiar da morte
a iluminar as coisas
em suas fendas
A carne é isso: dura
em tudo que existe
cheia de aberturas
mesmo se dobrada em si
encontra-se aqui no lugar
nenhum da conjunção
que repercute nos corpos
A carne velha alienada
ainda se enterra no mundo
toma toda terra e fica
nas saudades que a situam
e nessa manga que está sendo
atravessada pelos dentes
e soltam as linhas que enovelam
uma boca encorpada pela carne

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

seu por do sol fica
queimando as retinas
em negativo
é o que permanece
através do tempo
que não opera
nos movimentos
de qualquer ente
que a ninguém pertence
mas a pele branca
não o sente
sentada em um café
embaçada no sol preto
e na mecânica
de pernas e automóveis
ainda há de descobrir
o não visto ali
exposto
queimando outros
olhos e peles
que não se escondem
da vida a se mostrar
enquanto arde
o horizonte vasto
olhos distantes e aqui
compartilhando o por
na ausência do corpo
e desta cor
que brilha nas retinas
engolidas
por seu mar

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Perdeu-se o fio da meada
o que poderia ser
não está sendo nada

sábado, 20 de julho de 2013

Não há mais face
não há mais classe
mais um no meio
dessa gente toda
meio torta
meio sabedora
de que carrega
a dor do peso
de não saber
o que pisa
e o ardor dos pés
que calçam
descalços o chão
A cara dura
como de qualquer
um ou outros
marcas mais
marcas menos
são só marcas
da expressão
sem dono
dessas linhas
de face que
costuram a todos
que já não a tem
mais no meio
dessa gente toda

domingo, 14 de julho de 2013

Só posso falar do concreto
das coisa com que cresço
desses prédios e casas
e ruas
e gentes
onde encontro espaços
às vezes co-roídos
pela excessividade do tempo
onde se dão as lembranças
e muitos ruídos
constantes
consta aqui o momento
quando em fato se escuta
o que ecoa nas fissuras
Só posso falar do concreto
Só posso falar co' concreto
Só posso falar no concreto
esse barulho contínuo
que nos abandona no mundo
do que está construído
por mãos alheias
de onde livremente se opera
tudo pronto
e inacabado
à espera do encontro
com o nascimento
do concreto



domingo, 16 de junho de 2013

Quanto mais lavo as mãos
mais sujas elas ficam
dos gestos interrompidos
das palavras interditadas
do emprego sem produção
da incompreensão dos inter
esses
Mãos
limpas do concreto
limpas de toda terra
meras mãos
cheias de dedos
linhas, impressões
fugidias, memórias entulhadas
acumulando poeira
cada vez mais sujas
cada vez que as lavo

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Apesar do inverno a cidade
de pedras arde pelas beiradas
das calçadas
sem acordar já encoberta
já em trânsito para curar
a imolação no ar
condicionado

Nas luzes das esquinas
mariposas e igrejas rondam
certas do caminho torto
aproveitando todo falatório
vivendo do esquecimento
que a luz está
no mesmo ponto

Nas bocas que falam
sempre o mesmo
gosto de um derivado
qualquer de petróleo
que alimenta a máquina
morta do cansaço
de entregar no mundo
sua presença em carne

De olhos fechados
a carne arrastada
pela rua presa a um carro
não pavimenta o acontecimento
que atravessa
a carne dessa flor
que arde
se arde
apesar do inverno

sábado, 1 de junho de 2013

A janela brilha enquanto
dois corpos ocupam
os mesmos espaços
procurando abrir no tempo
o
instante
do acorde que trinca os dentes
do cheiro que permite
o choque
do sexo que
a vida
suspende

Nesse universo de concreto
o sol por vezes se esconde
nas fachadas
de decrépitos prédios
e nasce entre
as fechadas
janelas

domingo, 12 de maio de 2013

Poema para um filho (que ainda não tive)

Escrevi este poema para você
ou melhor
tentei escrever este poema para você
nada aconteceu na TV
que pudesse virar este poema
mas prometo deixar
um computador
uma guitarra
uma mesa de madeira
e alguns maços de cigarro
e um livro de poemas
(não-publicados)
como este para você
tentar vender
(ADVERTÊNCIA:
não há uma palavra em francês
e os poemas não dizem nada
não se podendo aprender
sobre música, vintage e internet -
se lê internê)
Se tivéssemos TV a cabo
nada disso teria acontecido
e talvez pudesse ver um documentário
e talvez escrevesse um poema novíssimo
(apesar do cheiro de guardado)
e talvez você vivesse de espólio
ao invés de salário

sábado, 20 de abril de 2013

Procuro uma fala carnal
do concreto que nos situe
neste sítio transpirado
compartilhando asfalto quente
natureza de pedra viva
na boca gosto de sangue
da cidade que cresce
pulsando entre as pernas
escorrendo por nossos braços
este mundo construído
a terra e carne
inscritas nas paredes gritantes
com a gravidade da massa
corrida sobre pés gravados
nos chãos e veias marcadas
nas caras de cores
Procuro uma fala carnal
que entregue o que não vejo
deste lugar entre meus dentes
e minhas mãos que seguram
copos bordas de mesas
e palavras prenhes de momento
cheio de peles entre os dedos
quero a carne das coisas
o viço que perco enquanto digo
escrito não-vivo
lama osso e músculo
daí se levantam esses muros
onde cravo os dentes
que intensificam o pertencimento
e deixam bocas abertas
com um hálito de pedra

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Querida,

ainda se lembra
de nossas paredes rijas
levantadas pelo vigor
de nossas línguas
viçosamente enoveladas
na secura rompidas
a distância das noites
está no frio dos dias
sem cabeças entre
pernas dentro da pele
dos instantes
que escondem o que fora distinto
aquele abandono era destino
cravado na terra
pra além do que piso
com o dente na carne eu
encontrava perdido
nestes sonhos moles
recobertos de fumaça
lambo lembranças
de lugar que habito
abrindo feridas que
fazem jorrar pedras que
permitem esta língua
tecer com linhas de ruína
uma parede
para abandonar o poema

com amor,


domingo, 3 de março de 2013


fazer poesia com um martelo
que desafia a pedra
intrincado no concreto
num sistema com o braço
poesia
como trabalho explorado
na intensificação dos gestos
contatos contados
pela iminência da ruptura
experimentar a brutidade
da dureza
de cada cálculo
e rasgar a pedra fragmentos
fazer pulsar as pedras
dos peitos
na tensão do músculo
quando arrebenta
o sistema no braço
no meio do caminho
as perdas
do peso do martelo
estendido no braço extenuado
pela gravidade do
impacto
contínuo rígido movimento
de encontrar o concreto
que nos constrói
com palavras plenas de fissuras
a ganhar vida
pela gestação
do que irrompe
na abertura

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

mares de mentira na travessia
do homem do barco
de papel
elegantemente prostrado
com a felicidade apresentável:
dentes cerrados
boca aberta
olhos arregalados
parece que não sabe:
a viagem incerta
encerra a liberdade
em alto-mar
(de calmaria ou tempestade)
não há a vulgaridade
do slogan que invade a vida
em uma propaganda de celular
navegar é sentir o peso
de cortar a água
enquanto se deixa cortar
e se entregar à experiência: mareado
sem controle do prumar
o barco
do homem
de papel
elegantemente dobrado
dos mares de mentira à travessia
é lançado
ao invés de pairar para
se perde no sem-fundo
do desconhecido do mar

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


Tudo o que há de profundo
encontra-se
na superfície do mundo

sábado, 12 de janeiro de 2013


Um pombo
imundo
planando no
centro da cidade
sem um plano
tem uma
feiúra fácil
que falta
aos corpos depenados
que fazem parte
da mesma paisagem

(e estão fora do plano)