sexta-feira, 9 de outubro de 2015

sei que o sol está
em algum lugar
sob os nossos pés
por isso dançamos
como o mar com o calor
essas idas e vindas
da superfície são só
o movimento profundo
do sol em tudo
que atravessa
nossos corpos
e faz girar
a terra no braço
ainda que pareçamos
parados não perecemos
porque há sol e essa dança
universal incessante
que dentre tantos gestos
precisos deixa a necessidade
do improviso
do imprevisto sob o sol
sob os nossos pés

quarta-feira, 22 de julho de 2015

o tempo vivido marca rostos
deixa na pele as rugas
e acumula o esquecimento
das rusgas, das ruas, das frutas
que plantaram
esse hálito na boca
e a fina folha a recobrir
como hera nossos olhos
a apagar no hábito os gestos
que somos
o tempo vivido marca gostos
afetos que habitamos
esse sentimento do mundo
lançado nos espaços
entre palavras, pessoas, portos
que nos deixaram
uma expressão no corpo
o tempo vivido gravado
de forma aguda torna-se
vívido

terça-feira, 21 de julho de 2015

apreciaria um olhar nítido
como um girassol de pessoa
mas envolvido nos ruídos
do asfalto de placas de telas
de concreto o que vejo
é só passagens de paisagens
nada de estrada cheia de lados
tudo novo e habitado
mas espero para ver
brilhar algo nesse olhar turvo
de mato de passeio público
nascido em toda cidade
entre o vapor dos carros
contra o que é planejado
um olhar de mato
que mostre as metas
como olvidamento do que
é preciso na vida
e deixe na palavra
ao menos o cheiro de
uma flor desconhecida

terça-feira, 2 de junho de 2015

o corte na carne tem cor
rasgo aberto no peito
é vermelho no preto
quando se para de olhar
no dente para olhar no olho
a história em corpo
: no preço
na corrente no pescoço
no mar na terra no porto
no poste numa rua do Rio
num janeiro de noite
do ano dois mil
e quatorze :
a morte banal no morro
em cada pedaço de aço
que corta uma parte de carne
em cada pedaço de parte
que perde a própria história
da pele sobre o olho
que se perde na multidão
dos ruídos das ruas
e não vê que
tudo está cheio de cor
e corte
e carne
e vigor


sexta-feira, 29 de maio de 2015

fala da sua ressaca
nascendo dos olhos
vermelhos da aurora
fala do acontecimento cósmico
da descoberta nos corpos
da matéria do espaço
fala do novo cânone
um escritor americano
com cheiro de cigarro
fala do sexo tântrico
do seu desprezo do preço
da dieta vegetariana
fala que o que atormenta
são os problemas do mundo
como a falta de poemas

sábado, 16 de maio de 2015

Domingo de manhã

domingo de manhã
e o som da capoeira
misturado aos barulhos
do parque e dos pássaros
de domingo de manhã
pais proles pipocas pombos
o ranger dos balanços
e de alguns carros
e os restos dos bêbados
do sábado passado
e a felicidade
de acordar com o sol
deixando vermelho
nossos olhos fechados
e no lado esquerdo da cama
o cheiro de cerveja
no seu corpo
dançando no quarto
domingo de manhã

domingo, 29 de março de 2015

um pássaro canta
das entranhas da madrugada
e da árvore onde
encontra seu canto
abrindo caminho no deserto
entre o carro que rasga
a rua sem rastro
entre o sono de homens
mergulhados na pedra ou no sonho
entre o vapor do cigarro
ardendo a boca do estômago
entre os lábios da puta esperando
com uma mala no ponto
entre o marulho engolido
pelo trabalho no porto
entre a árvore que brota
enraizada num pássaro
que no canto aventa
as tessituras no espaço


quinta-feira, 26 de março de 2015

Naquele instante é a grama
a bola e um campo
todos os espaços medidos
na trava na terra com as pernas
todo tempo é vivido em jogo
o momento do próximo ato
amarrado entre cada corpo
nada em pensamento
o conhecimento encravado
no espaço e no impacto
dos pés no gramado
esperando o movimento necessário
no tempo grávido
do cheiro do mato
da posse do campo
e da bola
a invenção é agora

sábado, 14 de março de 2015

com as mãos meladas
de maresia suor e sexo
descobrimos nossas peles
e nos entregamos ao tato
direto na carne 
temos a tarde toda
querida
para nos deixar escorrer 
entre os dedos
temos a tarde toda
para nos olhar
com os olhos vermelhos
do mar e da maconha
tocamos o ventre
querida
da vida à contrapelo
temos tudo entre os dentes
o tempo inteiro
neste momento
e em nossas línguas secas
o calor do sol

quinta-feira, 5 de março de 2015

sentir o gosto da terra
no cigarro aceso
ao contrário na boca
no momento que a
brasa toca a língua
aqui tudo arde
atordoado e brilha
no olho marejado
todas as distâncias
se retraem
resta o borro
e a gravidez do berro
na descoberta
que o sentido se faz
do calor profundo
da terra

sábado, 14 de fevereiro de 2015

uma castanheira nasceu
de dentro do piso frio
deste prédio
e deixou suas folhas secas
dentro das gavetas
da mesa sintética
própria para escritório
é dela o cheiro de madeira
é dela o gosto na boca
de castanha que carrega
o gosto da terra
e arrebenta a burocracia
é dela o barulho de galho
a regular os ganhos
pela raiz da castanheira
se esgueira a vida
que existe na planta
e não há plano que resista
à natureza viva
brotando com sanha
pulsando no sangue

sábado, 7 de fevereiro de 2015

quando nasci um
mundo já estava aí
todo torto
e entrei gritando
enquanto ele respirava
em mim
corpo roto
e o homem de branco
tirou as luvas do parto
lavou as mãos
e partiu
fui parido ateu
com anúncio pros meus
sem anjo
num hospital
de cachoeiro
no centro do calor
do espírito santo
minha mãe com meu pai
magro chorou
e embora não seja pra tanto
conto agora o acontecimento
do começo deste canto

domingo, 25 de janeiro de 2015

só há palavra concreta
do momento que corta a carne
atravessando a pele no fio
: pio de pássaros
dentro da casa
em manhã de ressaca
cheiro de verão
cheio de castanha
numa tarde modorrenta
uma mulher na esquina
com cigarro na boca
e olhar de tragédia :
a vida é uma faca
que se repete como farsa
quando já está cega

sábado, 24 de janeiro de 2015

o grito do galo infinito
é som do sol que em nós
chama
pra olhar
o outro lado do mundo
a luz na outra face do escuro

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

o problema do poema
é de quem mede
as palavras
sem encontrar a medida
de cada palmo de chão
na parte toda do peito
e perde a mão
perde o corpo do agarro
mais forte que a gravidade
perde o tato do mundo
e escreve um poema
enquanto um homem
é arrastado pela cidade