quarta-feira, 30 de novembro de 2016

reclama da rima pobre
do ritmo trôpego
da falta dos respiros
que impossibilitam toda dança
não se acompanham os passos
com essa meia dúzia de palavras
fala desses versos
que fracassam na vulgaridade
pelo excesso de pose e pathos
forçados a entrar na garganta
sem o vigor do que é necessário
e não há nenhuma cadência
mas não deixa o silêncio
tomar posse desses poemas
que, mesmo nas duras penas,
gostariam de parecer
em algum lugar
aprazível
para
ti

quinta-feira, 7 de julho de 2016

demos tudo ao temer
o bafo quente que sentimos
na nuca
num excesso de intimidade
e deixamos nosso coração
exposto à sorte
ao golpe
que sentimos como se
fosse às costas, com faca
mas foi na cara
dura
por uma bocada -
as cartas estavam dadas:
vampiros na sala -
agora o sangue escorre
e nós no paradoxo de estancar
enquanto estamos estanques

demos tudo ao temer
ao dar nossos ouvidos
em meio à cacofonia
às vozes que diziam
um tipo de ladainha
- é só nos entragarem
outras vidas
ainda que sejam magras
como vacas sertanejas
ainda que sejam magras
como misses anacrônicas
ainda que sejam magras
como nosso espírito pobre -
em meio à cacofonia
hesitamos em recusar
a troca por causa
da quentura do bafo na nuca
e esquecemos que não há
sangue que baste
para essas bocas sujas
da bosta da história

demos tudo ao temer
por isso a necessidade da reza
a quem impusemos a cruz
- fomos fracos, confessamos
e estamos pagando caro
por deitarmos à mesma mesa
por sentarmos à mesma cama
por amarmos só com a cabeça
quem sabíamos desde o início
ter a alma de vampiro
e no ventre ser michê.
esperamos o perdão desse pecado
consumado ao termos dado
nossas vidas
ao temer

domingo, 27 de março de 2016

encontrar a identidade no meio
do trânsito como uma travesti
que descobre a si entre
olhares estranhos
espelhos oxidados
e transas
com palavras gastas
em avenidas vazias
iluminadas
por lanternas de carros
rumo a casas pré-fabricadas
carregando consigo edifícios
com fachadas de vidro
- fora brilho, dentro fórmica -

ser lançado no desafio
de fazer do trânsito
entre o que está pronto
um porto que se abre
para mar e tempestade
e saber que sob os pés
há um salto
dado no abismo
e a necessidade
de amar o desconhecido
com o coração no átrio do atrito
fazendo do não-visto
destino

quinta-feira, 3 de março de 2016

há uma puta no ponto
do cruzamento do parque
com uma mala
o que ela guarda?
o que aguarda?
nós que nunca esperamos
nada da vida
sempre prontos
para a próxima
partida
carregamos tudo
o que é preciso
para nos mantermos vivos
em uma parada
incluindo o corpo
a ser mais ou menos vendido
e a intimidade que
lançada no mundo
nunca é dada
ainda que descubramos
o que existe
na mala

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

in progress

há areia sobre o asfalto
onde antes havia mar
como uma lembrança
do fundo do lugar
                              dragado
                                            tragado
- por necessidade de carros
como modo de vida da urbe -
que ressurge no espelho
feito de um punhado
                                                                            sob o sol de meio-dia
nessa superfície lisa, a combustão
lambe aos poucos
os corpos absorvidos pelo piche
que camada dura sobre a terra é
reflexo
a mostrar impessoalmente
a cidade a tudo aterra
construída em amontoados de
                                                 pessoas e pedras
sobre ruínas
de vias, praias, vilas, memórias
que agora só podem surgir
- como perda
como algo que no coração é falta -
no espaço entre a calçada e a faixa de pedestres
porque reside essa porção de areia
em sua existência eterna
no meio de solados emborrachados vento papéis de bala e latas
em uma espécie de fresta
que há de engolir nossos olhos
e tornar firmes nossas
                                     palavras e pernas
para tomar rumos que resistam ao
cálculo dos metros cúbicos de concreto
à indiferença em progresso
que há de engolir nossos olhos
ao abrir uma fenda na rua
na ressurgência da pulsão do mar